A Chave é o Perdão
Em Chaves num passeio ao pôr-do-sol atravessei a ponte romana levada por um sopro e contemplei o oiro sobre a água na margem da Madalena e cantei. Do outro lado "a margem dos sentidos" levou-me no dia seguinte a uma porta de 2 majestosas figueiras cujo aroma me ofereceu o mais-que-perfeito abraço do verão, a doçura do calor que toca e acaricia.
Duas margens irmãs que levam um rio entre tantos rios que passam pela terra levando consigo as memórias para o mar. Uma pintura de Nadir Afonso estava nas minhas mãos, Apolo, o Deus do Sol, e a geometria colorida do imaginário humano e suprahumano tentavam ali fundir o terreno com o divino, a face do homem com a face dos astros.
Uma margem e a outra dão-me ao corpo um tremeluzir que passa pelo coração, o mesmo que passa pelo rio, o tremeluzir da lei universal do perdão. E eis que entendo o porquê de cantar sobre as águas douradas do rio e tanto querer conhecer a fonte do Rio Douro ... entre o tanto que a vida oferece, eis a sensação do perdão dentro dum corpo humano para que ele possa fundir-se com as águas da Humanidade que se perdoa a si mesma. Esta é a Alquimia: no Mistério do Perdão que transcende toda a arrogância humana, é o humano que perdoa quando ele se transforma em rio, Um Corpo Físico que se transfigura na fisicalidade das Águas que sabem como correr e para onde correr: para a Casa da Estrela do Mar, o Mar de Maria. É tão importante cantar sobre as águas, é tão importante sentir e ser rio, é tão importante transcender a forma e saber-se dentro do Deus Tempo que equilibra todas as linhas na justa medida.
A vontade de visitar a Fonte do Rio Douro é comungar com essa família primordial e com a fronteira natural que viu o nascer duma consciência grupal que, defendendo-a, se “desumanizou”. A espada que mata cria rasgos no coração para múltiplas gerações. Escolhendo determinado lugar e família, a alma funde-se com toda a memória que ali está, nos rasgos, para aí, enfim, aprender a ser rio.
Um dos belos presentes deste perdão universal que transcende todo o saber é a leveza. O pensamento descarrega toda a tensão mental criada pela tormenta da experiência e fá-lo no momento certo e sem palavra que se diga. Por isso o Perdão nunca é dito, é a dissolução total de todas as palavras. Quando alguém recebe a dádiva do perdão no corpo, as imagens da experiência transformam-se em nuvens brancas que se desfazem levemente no céu azul, é então que o corpo esquece as sensações dos conflitos; mas para isso é preciso deixar de se ser quem era, e para isso é preciso nascer para a vida eterna, e para isso nada é preciso, assim canta A Magdalena, A Senhora da Ressurreição, O Oiro sobre os Rios.
A Chave é o Perdão.
PAX MUNDI